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Pouco passava das dez da manhã, naquele dia soalheiro, quando desci do autocarro no Terreiro do Paço.
Pouco passava das dez da manhã, naquele dia soalheiro, quando desci do autocarro no Terreiro do Paço.
Confesso que fiquei surpreendida com o que vi pois, naquele momento, havia
um movimento pouco usual entre os vendedores, que corriam de um lado para o
outro, carregando enormes alcofas, as mulheres, com cestos à cabeça, procuravam
ocultar-se atrás das grossas colunas da estação ou dentro das cabines
telefónicas. Algumas metiam-se mesmo na gare dos cacilheiros ali mesmo ao lado.
- Que será que aconteceu? - Interroguei-me.
Mas logo os vi. Os fiscais, que de vez em quando rondavam aquela zona,
pregando multas aos mais descuidados pois o comércio naquela zona era proibido.
Nunca entendi por que não montavam ali uma ronda permanente e acabavam de vez
com aquilo. Mas não! Apareciam e desapareciam como por milagre. Fui até ao bar
e pedi um café enquanto esperava que os fiscais partissem. Quando eles chegavam
não havia ninguém, mas assim que desapareciam de todos os cantos, apareciam os
vendedores e era um ai enquanto abriam de novo as suas cestas e espalhavam os
produtos em panos no chão ou em pequenas mesas de campismo que alguns traziam.
Era assim uma espécie de jogo do gato e do rato.
Quando tudo serenou, procurei com o olhar a mulher dos olhos verdes, mas
não a vi.
- Não veio hoje a mulher que vende cartas? – Perguntei à velhota dos
amendoins.
- Não. Já ontem também não veio. Mas ali o meu “home” também vende cartas.
E apontava um velhote que vendia variadas coisas um pouco mais à frente.
- Obrigada, mas eu queria falar com ela -menti. – Acaso sabe onde mora?
-Não. Ninguém sabe ao certo, embora digam que mora ali para os lados de
Alcântara, na rua Prior do Crato. A menina é parente? – Perguntou a medo.
-Não. Apenas me pediram para lhe dar um recado e queria fazê-lo.
-Bem – a mulher pareceu ficar mais à vontade ao saber que eu não era da
família da senhora que eu procurava. A Esperança apareceu aí um dia a vender
cartas e aí ficou. Já lá vão muitos anos. Olhe, ainda eu nem tinha cabelos
brancos.
Olhei a sua cabeça completamente branca e pensei que na verdade já devia
haver uns bons anos.
- Esperança, dos olhos verdes, - murmurei
A mulher continuou:
-Olhe menina, eu, se estivesse no seu lugar, esquecia-me desse recado. Eu
não sei porquê mas não gosto dela. Às vezes, até chego a pensar que tem pacto
com o demo. Passa horas e horas a olhar o mar e depois, sabe, há uma coisa que
nem sei se lhe conte…
- Diga, diga, - pedi eu com mal disfarçada ansiedade.
A mulher hesitou mas por fim decidiu-se:
- Sabe - disse baixando a voz como quem vai revelar um segredo - é que a
Esperança, quando para aqui veio, tinha uns olhos castanhos, amendoados, que
depois ficaram verdes. Ora eu penso que uma coisa assim só por bruxedo.
- Muito obrigada. Se a vir dou-lhe o recado senão…
22 comentários:
Olhos castanhos que passam a verdes...não é só por bruxedo, não rrrrss
Bom resto de domingo
Magnífico texto...tantas vezes que fico também a pensar as histórias por detrás das pessoas!!!
Beijinhos
Maria
Oi Elvira!
Até aos 18 anos eu tinha olhos verdes e depois foram escurecendo e ficaram num tom amendoado.
Nunca fui saber o porquê...
Não atrapalhou em nada, conseguia enxergar até demais.kkk
Beijinhos
Lua Singular
Mais uma história bem contada. Fico a aguardar a próxima parte.
Elvira, tem uma boa semana.
Beijo.
Elvira
Aos poucos vai desenrolando os fios do novelo das vidas ricas a que está atenta.
Beijos
Olá amiga, estou a adorar a história e fico ainda mais em pulgas para saber o final. Beijos com carinho
Amiga desculpa a minha ausência ando seu vontade de escrever perdi uma pessoa que era uma amiga e uma mãe de coração . Ela faz um trabalho lindo ajudando as pessoas carentes sempre dando colo . Não esqueci os amigos. logo,logo que esta dor passar tento voltar. Um beijinho no teu coração.
Un abrazo Elvira
Mais um de seus contos tão bem escritos!
Uma vez fiquei imaginando se você seria tão boa escritora se tivesse estudado mais. Pois o estudo poderia podar essa sua vontade de escrever e de contar tão boas histórias.
Um abraço minha amiga! Vc é das melhores escritoras de blogs que conheço!
Mais um de seus contos tão bem escritos!
Uma vez fiquei imaginando se você seria tão boa escritora se tivesse estudado mais. Pois o estudo poderia podar essa sua vontade de escrever e de contar tão boas histórias.
Um abraço minha amiga! Vc é das melhores escritoras de blogs que conheço!
Mistério de uns olhos bonitos.
Sempre me encantaram olhos bonitos.
Por vezes até penso que quem tem uns olhos assim deve ser muito feliz.
Será a ilusão apenas no olhar...
«Diz-me onde te perdes p'ra te ir lá buscar!
Meus olhos estão verdes de olharem para o mar!»
Foi o que aconteceu com a tua Esperança...
Sempre um prazer
Olá, Elvira!
Estranha metamorfose terá acontecido com os olhos da Esperança, que me deixa aqui a pensar...
E quanto ao fugir à frente da polícia e das multas, lembro-me das cenas como se fosse hoje; nada fácil aquela vida - quando a palavra polícia metia medo...
E então cá fico à espera para saber o resto - duma história bem contada.
Um abraço
Vitor
Também fico ansiosa pelo final
desta jistória,que está a ser
muito bem contada por si.
Desejo que esteja bem.
Bj.
Irene Alves
Castanhos de encantos tamanhos,
Verdes... são traição (dizem).
Os meus são verdes :) e gosto muito.
:)))))))))
Tudo de bom.
As pessoas são criativas e dão asas à imaginação. Quando alguém não fala sobre si, desperta curiosidade e histórias, muitas vezes passadas entre as gerações. Vamos ver o que você nos reserva. Está muito bom o conto. Bjs.
Continuo a ler à espera do desenrolar da trama. Por acaso já morei em Alcântara nessa mesma rua, eheheh
Cumps
Olá, querida Elvira!
Gostei da sua "mentira" e da a abordagem que fez à outra vendedora.
Afinal, era uma Esperança linda, de olhos castanhos amendoados, mas que, e devido talvez a olhar e esperar tanto do mar, ficaram, aparentemente, verdes.
Beijos, com estima, para todos.
E cá estou eu, Elvira, para continuar a ler a sua história. Nas anteriores, sempre tentava imaginar o final, mas, nesta, confesso, não me atrevo. O que terá acontecido à sua Esperança de olhos verdes? O que a fazia olhar tanto o mar? Com certeza não esperava dele boas recordações, mas....vamos lá ver...Cá estarei para ver o final, amiga. Um beijinho e até breve!
Emília
OI ELVIRA!
ACHO QUE DE TANTO ELA FITAR O MAR, SEUS OLHOS ADQUIRIRAM SUA COR...
MUITO LEGAL TEU TEXTO.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Só agora pude vir até aqui e isto vai tomando corpo, o interesse vai em aumento.
Esse mar que cativa e que faz brilhar ainda mais esses olhos verdes… como o mar.
Voltarei para seguir, mas quero ler por etapas.
Até amanhã e um grande abraço
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