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28.10.13

ELISA



Corria o ano de 1940. Elisa era nessa altura uma encantadora rapariga de dezoito anos. Pequena, bem proporcionada, cabelo escuro como noite sem lua, quase sempre preso numa farta trança.
Os olhos escuros e um rosto moreno, onde um rasgado sorriso fazia aparecerem duas graciosas covinhas. Era uma jovem alegre, com uma bonita voz, que encantava quem a ouvia ao domingo na igreja, ou nos campos enquanto trabalhava. Foi talvez a beleza da sua voz, que atraiu o patrão, naquele fatídico dia de Abril. Elisa mondava o milho numa leira, quando o patrão a surpreendeu e sem lhe dar tempo a defesa, ali mesmo a violou. Naqueles tempos nas remotas aldeias do interior, não raras vezes os patrões "desgraçavam" as jovens empregadas. Naquele dia Elisa foi para casa, com o corpo e a alma em ferida. Não disse aos pais nem aos irmãos o que tinha acontecido. De que teria servido? Só aumentaria a sua dor, e a sua vergonha.
Nunca mais foi a mesma. Não queria que ninguém soubesse o que tinha acontecido, e os pais estranhavam que não quisesse ir trabalhar para aquele patrão. Afinal era o que empregava mais gente, e pagava melhor.
 Uma noite sem que ninguém desse conta Elisa fugiu de casa. Vagueou por montes e vales, evitando os caminhos principais, roubando frutas para enganar a fome, durante dias a que esqueceu a conta. Um dia, com os pés em ferida e as roupas sujas e rotas avistou uma cidade.
 Foi-se aproximando a medo. Teve sorte. Uma mulher idosa viu-a, e vendo o estado lastimoso em que se encontrava, levou-a até á sua casa. Deu-lhe um alguidar com água, um pedaço de sabão azul e branco, e uma toalha velha e esfarrapada, porém limpa, para ela se lavar. Em seguida trouxe-lhe umas roupas limpas que tinham sido da sua filha que Deus lhe levara havia dois anos.
 Josefa foi-lhe contando isto enquanto aquecia no velho tacho de barro um prato de caldo verde feito na véspera.
 Elisa sentiu-se como alguém que regressa a casa. Na verdade Josefa, embora não a conhecendo, estava a tratá-la como uma filha e Elisa deixou que as lágrimas rolassem pelo rosto emagrecido enquanto contava àquela desconhecida, o que não tivera coragem de contar à mãe.
 Josefa ouviu em silêncio o relato da jovem, e quando esta acabou, estendeu a sua velha mão sobre a cabeça da jovem, e murmurou entre dentes:
 Um dia, um dia isto vai ter fim. E esses canalhas vão pagar por todos os seus crimes. E logo levantando a voz disse:
 - Ficas aqui enquanto não arranjares trabalho. Eu não tenho muito, mas há-de dar para as duas. Agora uma coisa tens que me prometer. Vais escrever aos teus pais e dizeres que estás em Coimbra, arranjaste trabalho, dizes qualquer coisa. Mas os teus pais têm que saber de ti. Eu também fui mãe e sei bem a aflição duma mãe quando não sabe dum filho.
 Elisa assim fez. Arranjou trabalho a dias para limpezas e tentava a custo apagar as recordações quando descobriu que isso era impossível porque estava grávida.
Foram tempos muito difíceis em que só no carinho de Josefa conseguiu forças para sobreviver. Aos pais não contou nada. Morria de vergonha. E foi inventando desculpas para não ir visitar os pais.
Quando o filho tinha três anos Josefa morreu. Morreu de noite sem se queixar, sem dar sinal.

Continua.

Amigos, vou tentar visitar todos os vossos blogues, mas não serei muito assídua. Como já disse muitas vezes o meu sonho era ter estudado coisa que nunca pude fazer. Mas como nunca é tarde para aprender, este ano fui estudar e o tempo está muito mais limitado. Muito obrigada pela vossa compreensão.

22 comentários:

Unknown disse...

Mais uma história de vida e vida com sabor amargo.
Muitas moças sofreram em silêncio e outras tentaram fazer frente aos adversários mas sem sucesso.

Desejo que estude e se valorize o mais que puder. O estudo é o sal que tempera o nosso viver e caminhar nesta sociedade actual.
Que Deus te ajude e te dê a força e a capacidade que vais precisar.

chica disse...

Elvira, o início já passa a ideia de uma triste,porém linda história, infelizmente tão real! beijos,chica

Sónia Micaelo disse...

Ficarei à espera pelo desenvolvimento deste conto. Gostei imenso do inicio.

Bom inicio de semana.
Beijo
Sónia

Mar Arável disse...

Tudo pelo melhor

Bj

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

E acho que faz muito bem; quando se estuda por gosto e do resultado não se está dependente, o estudar pode ser um prazer.

Quanto à historia de hoje, acho que a Elvira já aqui a publicou, ou estarei enganado?
Um abraço, e bons estudos!
Vitor

Edum@nes disse...

Histórias tristes como esta
Muitas outras terão acontecido
A beleza que rapariga tinha
Lhe foi roubada por um bandido!

Era assim naquele tempo
Que os endinheirados faziam
Os terrores do descontentamento
Nem dialogar com uma pessoa sabiam!

Obrigado pela visita
boa noite para você amiga Elvira,
um abraço
Eduardo.

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

O começo é muito promissor. Vou ficar atenta.

Não imagina o quanto admiro a sua decisão de voltar a estudar pelo que ela significa de não resignação ao "destino". Admirável!

Um grande beijo

Emília Pinto disse...

Antes de mais, quero dizer-te que fiquei feliz por ti, Elvira, por teres decidido fazer o que sempre sonhaste. Espero que tudo te corra bem e volta sempre que puderes.E aqui está mais um história de vida, uma história muito comum e que antigamente ainda tinha piores consequências, pois os pais dificilmente davam nome a esse filho e não havia lei que a isso obrigasse.
A Elisa teve sorte em ter quem a acolhesse e o filho com certeza vai compensar todo esse sofrimento. Vamos ver....aguardo. Beijinhos e boa sorte nesta tua nova fase.
Emília

Graça Sampaio disse...

Bom... agora fico à espera da continuação do conto... Por duas razões: a primeira e que me atraiu é que a minha neta se chama Elisa como poucas meninas da sua idade; depois porque infelizmente nesses tempos (que não passaram assim há tanto tempo) os patrões faziam gato e sapato das criadas (assim eram chamadas) e terceiro (afinal são três as razões...) porque está muito bem escrito e tem suspense...

Beijinhos. Boas escritas e bons estudos.

Graça

Lilá(s) disse...

Já deu para entender que vou gostar muito deste conto!
Bjs

Lua Singular disse...

Oi Elvira
Um conto triste, mas bem relatado, vou esperar a continuação...
Obrigada
Beijos
Lua Singular

Duarte disse...

Sim, até pode que as minhas palavras raiem na reiteração, mas estou maravilhado pela forma como crias e bordas os personagens e os ambientes.
Ontem falei de ti nas Aulas, e também do nosso caldo verde, tal e como hoje o mencionas aqui, que casualidade!
Aquele abraço amigo

São disse...

Custou , mas abriu!

A estória está interessante.


Mas o que realmente me entusiasmou foi ter começado a concretizar esse seu sonho de estudar!!

Um abraço com toda a alegria e desejando-lhe todo o sucesso, minha querida amiga!

Zé Povinho disse...

Não foi a falta de estudos que a impediu de escrever textos que nos "prendem".
Abraço do Zé

Luma Rosa disse...

Oi, Elvira!
Valorizo o seu esforço e estou torcendo para que realize o seu sonho!
Sobre "Elisa" estou sem fôlego! Quantas emoções em tão poucas linhas!!
:)
Aguardando o seu tempo!!
Beijus,

FGV disse...

Amiga Elvira

Os seus textos continuam óptimos.

As minhas visitas a este Blogue não são muito assíduas mas está sempre na lembrança.

Bom trabalho e já agora bom estudo.

Abraço

Mariazita disse...

Bom dia, Elvira
Comecei por ir ver "A CEIA" que achei lindíssima, uma verdadeira obra de arte.

O conto parece-me familiar... estarei enganada?

Dou-lhe os parabéns por ter resolvido estudar. Foi uma decisão acertadíssima.
Tenho uma amiga que tem agora 84 anos, e anda a tirar o curso de História da Arte (penso que está no 3ºano). E ela estudou em jovem... mas às vezes as pessoas sentem necessidade de saber um pouco mais.
Que tudo lhe corra pelo melhor.

Bom fim-de-semana.
Um abraço
Mariazita
(Link para o meu blog principal)


Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Primeiro, quero parabenizá-la pelo seu retorno aos estudos. E eis que eu retorno de uma longa ausência e já me deparo com um novo e interessante conto. Virei saber da continuação da triste vida de Elisa.
Bom final de semana, Elvira.
Um abraço,
da Lúcia

Anónimo disse...

Contos e partilhas de VIDAS, hoje e sempre actuai, que nos agarram a este cantinho.

Nunca é tarde para aprender.

Tudo de bom.

:)

;)

Edum@nes disse...

Raio de sina do português
Que até a sonhar é pobre
Precisamos outra vez
De uma revolução com mais cobre
Menos palavras e mais ação
De alguém que seja capaz de governar a pais
Sem aos mais pobres tirar o pão.
Amiga, sonhei com o meu velho Dastun
Porque ferrari, e porche, os vejo na rua a passar
Só servem para os poderosos assentar a traseiro mal cheiroso!

Obrigado pela visita, bom fim de semana para você,
amiga Elvira, um abraço
Eduardo.

Nilson Barcelli disse...

A violação era uma coisa frequente... Os "senhores" achavam-se no direito de possuir as mulheres que quisessem... Mas havia gente de bom coração.
Mais um conto que tem todos os ingredientes para ser muito bom.
Até aqui, gostei muito. Continua, por isso.
Elvira, querida amiga, tem uma boa semana.
Beijo.

Isamar disse...

Uma história de vida semelhante a muitas outras desse tempo, perpassada de muito sofrimento.A violação é sempre algo que rasga a alma da violada, não do violador, e que deixa marcas para toda a vida. Gostei do teu discurso, mais uma vez. Beijinhos