Corria o ano de 1940. Elisa era nessa
altura uma encantadora rapariga de dezoito anos. Pequena, bem proporcionada,
cabelo escuro como noite sem lua, quase sempre preso numa farta trança.
Os olhos escuros e um
rosto moreno, onde um rasgado sorriso fazia aparecerem duas graciosas covinhas.
Era uma jovem alegre, com uma bonita voz, que encantava quem a ouvia ao domingo
na igreja, ou nos campos enquanto trabalhava. Foi talvez a beleza da sua voz,
que atraiu o patrão, naquele fatídico dia de Abril. Elisa mondava o milho numa
leira, quando o patrão a surpreendeu e sem lhe dar tempo a defesa, ali mesmo a
violou. Naqueles tempos nas remotas aldeias do interior, não raras vezes os
patrões "desgraçavam" as jovens empregadas. Naquele dia Elisa foi
para casa, com o corpo e a alma em ferida. Não disse aos pais nem aos irmãos o que
tinha acontecido. De que teria servido? Só aumentaria a sua dor, e a sua
vergonha.
Nunca mais foi a mesma. Não
queria que ninguém soubesse o que tinha acontecido, e os pais estranhavam que
não quisesse ir trabalhar para aquele patrão. Afinal era o que empregava mais
gente, e pagava melhor.
Uma noite sem que ninguém desse conta
Elisa fugiu de casa. Vagueou por montes e vales, evitando os caminhos
principais, roubando frutas para enganar a fome, durante dias a que esqueceu a
conta. Um dia, com os pés em ferida e as roupas sujas e rotas avistou uma
cidade.
Foi-se aproximando a medo. Teve
sorte. Uma mulher idosa viu-a, e vendo o estado lastimoso em que se encontrava,
levou-a até á sua casa. Deu-lhe um alguidar com água, um pedaço de sabão azul e
branco, e uma toalha velha e esfarrapada, porém limpa, para ela se lavar. Em
seguida trouxe-lhe umas roupas limpas que tinham sido da sua filha que Deus lhe
levara havia dois anos.
Josefa foi-lhe contando isto enquanto
aquecia no velho tacho de barro um prato de caldo verde feito na véspera.
Elisa sentiu-se como alguém que
regressa a casa. Na verdade Josefa, embora não a conhecendo, estava a tratá-la
como uma filha e Elisa deixou que as lágrimas rolassem pelo rosto emagrecido
enquanto contava àquela desconhecida, o que não tivera coragem de contar à mãe.
Josefa ouviu em silêncio o relato da
jovem, e quando esta acabou, estendeu a sua velha mão sobre a cabeça da jovem,
e murmurou entre dentes:
Um dia, um dia isto vai ter fim. E
esses canalhas vão pagar por todos os seus crimes. E logo levantando a voz
disse:
- Ficas aqui enquanto não arranjares
trabalho. Eu não tenho muito, mas há-de dar para as duas. Agora uma coisa tens
que me prometer. Vais escrever aos teus pais e dizeres que estás em Coimbra,
arranjaste trabalho, dizes qualquer coisa. Mas os teus pais têm que saber de
ti. Eu também fui mãe e sei bem a aflição duma mãe quando não sabe dum filho.
Elisa assim fez. Arranjou trabalho a
dias para limpezas e tentava a custo apagar as recordações quando descobriu que
isso era impossível porque estava grávida.
Foram tempos muito difíceis em que só no carinho de Josefa
conseguiu forças para sobreviver. Aos pais não contou nada. Morria de
vergonha. E foi inventando desculpas para não ir visitar os pais.
Quando o filho tinha três anos Josefa
morreu. Morreu de noite sem se queixar, sem dar sinal.
Continua.
Amigos, vou tentar visitar todos os vossos blogues, mas não serei muito assídua. Como já disse muitas vezes o meu sonho era ter estudado coisa que nunca pude fazer. Mas como nunca é tarde para aprender, este ano fui estudar e o tempo está muito mais limitado. Muito obrigada pela vossa compreensão.