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4.5.08
DIA 4 DE MAIO - DIA DA MÃE
ROSAS VERMELHAS
Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz da rosa a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.
E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.
Nesse tempo o Sol nascia exactamente no meu quarto. Eu abria a janela. Em frente era o largo, a velha árvore do largo dos ciganos. Quando chegava o mês de Maio, eu abria a janela e ficava bêbado desse cheiro a fogueiras, carroças e ciganos. E respirava o ar de todas as viagens, da minha janela, capital do mundo, debruçado sobre o largo onde começavam todos os caminhos.
E tudo estava certo, nesse tempo, ou, pelo menos, nada tinha o sabor do irremediável. Nem mesmo a morte da minha tia. Por muito tempo ela ficou nos retratos e no jardim, bordando à sombra das magnólias, andando pela casa nos pequenos ruídos do dia-a-dia, até que, pouco a pouco, se foi confundindo com as muitas ausências que vinham sentar-se na cadeira, onde, dantes, minha tia se sentava.
E eu dormia poisado sobre a eternidade, como se tudo estivesse certo para sempre, eu dormia com muitos olhos, muitos gestos vigilantes sobre o meu sono. Por vezes tinha pesadelos, acordava, inquieto, a meio da noite, qualquer coisa parecia querer despedaçar-se e então exclamava:
- Mãe!
E logo essa voz, tão calma, entrava dentro de mim, mandava embora os fantasmas, e era de novo o meu quarto, a doce quentura da minha casa no cimo da ternura.
Não havia polícia nesse tempo. Ninguém roubaria a tranquilidade do meu sono, ninguém viria a meio da noite para me levar, porque bastava eu chamar:
- Mãe!E logo uma voz, tão calma, mandava embora os fantasmas. E era a paz, nesse tempo, em que todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, o dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã, a minha mãe abria a porta do meu quarto e colocava, religiosamente, um ramo de rosas vermelhas sobre a minha vida, nesse tempo, em que dormir, acordar, nascer, crescer, viver, morrer, eram um rito no rito das estações.
Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava as traves da minha cabeça, direi mesmo da minha vida, e eu acordava suado, dolorido, como se um rato (talvez o medo?) me roesse o estômago. E era inútil chamar. Onde ficara essa voz que dantes vinha repor o sono no seu lugar, repondo a paz dentro de mim? E as manhãs penduradas no mês de Maio, onde acordar era uma festa? Onde ficara a ternura? Onde ficara a minha vida?
Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Dormia – como direi? – acordado sobre cada minuto. Tinha aprendido o irremediável. Alguma coisa, dentro de mim, se despedaçara para sempre (para sempre? Que quer dizer para sempre?). Era inútil chamar. Tinha aprendido, fisicamente, a solidão. Embora na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse, como se fosse a voz longínqua do meu povo:
- Coragem!Eu estava, pela primeira vez, fisicamente só, dentro do meu sono povoado por esse grito que estalava por vezes as traves da minha cabeça (onde essa voz que mandava embora os fantasmas?).
E era terrível essa manhã sem manhã, essa realidade branca e gelada, toda feita de paredes, grades, perguntas, gritos. Mesmo que na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse:
- Bom dia!era terrível acordar nessa estreita paisagem com sete passos de comprimento por sete de largura, tão hostil, tão dolorosa como as regiões dos pesadelos. Porque acordar era ter a certeza de que a realidade não desmentiria o pesadelo.
Mesmo que os meus dedos batendo na parede transmitissem notícias dum homem que podia responder:
- Bom dia!de cabeça erguida era terrível acordar no mês de Maio, com a certeza de que no dia 12 a minha mãe não entraria pelo meu quarto, deixando-me na fronte um beijo, e rosas vermelhas sobre os meus vinte e sete anos.
Talvez seja preciso renunciar à felicidade para conquistar a felicidade. Eu estava na cadeia em Maio de 1963. Tinha aprendido a solidão. Tinha aprendido que se pode gritar com todas as nossas forças quando se acorda a meio da noite com um grito na cabeça e um rato (talvez o medo?), roendo-nos o estômago, que ninguém, ninguém virá repor a paz dentro de nós. E, então, é a altura de saber se as traves mestras dum homem resistirão. Pois só a tua voz, amigo, responderá ao teu apelo torturado na noite. E, nessa hora (a mais solitária das horas), se conseguires cerrar os dentes, dar um murro na parede, acender um cigarro, se conseguires vencer esse encontro com a solidão no mais fundo de ti próprio, com que alegria, com que estranha alegria, na manhã seguinte, tu responderás:
- Bom dia!,mesmo que seja terrível acordar no mês de Maio, nessa estreita paisagem, gelada e branca, com sete passos de comprimento por sete de largura.
É certo que se podem escolher outros caminhos. Mas poderia eu ter escolhido outro caminho? Acaso poderia dormir descansado, onde quer que estivesse, sabendo que algures, na noite, há homens que batem, há homens que gritam?
Os fantasmas tinham entrado no meu sono, invadiram a minha casa no cimo da ternura; os fantasmas eram donos do País. E se eles viessem de repente, a meio da noite, e eu chamasse:
- Mãe!A voz (tão calma) de minha mãe já nada poderia contra eles. Era um trabalho para mim, uma tarefa para todos aqueles que não podem suportar a sujeição. Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?
Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.
No dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? -, às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha, duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela.
Manuel Alegre "A praça da canção"
Este é um dos mais belos textos que conheço, para este dia. Espero que tenham gostado. Bom domingo para todos, especialmente para AS MÃES QUE ME VISITAM.
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27 comentários:
Parabéns pelo seu dia!
Toda a felicidade do mundo para ti.
Beijo!
Elvira,
Este texto é maravilhoso, dos mais belos textos sobre o amor maternal, já o tinha lido uma vez, mas sempre que o leio me comovo profundamente, ainda por cima gosto do mês de Maio e a minha flôr é também a rosa.
Obrigada pelas palavras que deixou no meu sítio e percebo o que sente. Eu resolvi falar à minha mãe daquela maneira precisamente porque a vejo a querer desistir um pouco de tanto daquilo que sempre foi.
Tenha uma boa noite e um bom dia da mãe.
Beijinhos
Elvira,
este texto de Manuel Alegre, é dos textos mais comoventes que já li...
Ainda há bem pouco tempo o postei no meu blog.
Desejo-lhe um feliz dia da mãe.
Um abraço.
UM DIA FELIZ PARA TI, ELVIRA. PARA MIM, SÓ DOMINGO QUE VEM.
BEIJOS DA PITANGA
O texto é comovente, Elvira, como os são todos os que saem da alma.
Para si um belo DIA DA MÃE desta mãe que passou a visitá-la.
Estimada e brilhante Amiga:
Um poema doce e arrabatador para todas as mães.
Mães que são o nosso pensar. O nosso sentir. O nosso amar.
Aquela devia ser uma preciosa mãe. Mãe de todo os encantos, alegrias, que afugenta fantasmas e cria a beleza da nossa vida. Decora-a com a sua ENORME presença quando sentimos medo, angústia e desencanto.
Um poema soberbo, mas sentido pela dureza e horror de uma prisão.
Um Bem-Haja grndioso, amiga doce.
Este belo poema mostra, põe a nu, toda a sua grandeza bela de um Ser Humano sensível, terno e doce.
OBRIGADO por ser assim. Tal e qual. Como é.
A significação é imensa de ternura e carinho.
Parabéns sinceros e obrigado por agraciar assim todas as Mães. Necessárias e imprescindíveis.
Por certo, todas elas gostarão.
Beijinhos amigos
pena
Excelente o texto.
Próprio de quem sabe o que sente e o transporta para o papel.
Elvira, não há dia (específico) da mãe.
Mas hoje, o calendário quer assim.
O calendário e o homem que até já mudou este dia de 8 de Dezembro (data fixa)com tradição, para o primeiro domingo de Maio (que de fixo nada tem).
Um abraço
UM BELÍSSIMO TEXTO, sim, Elvira.
PARABÉNS MAMÃ! (Não estou certo de ser o caso, as minhas desculpas)
UM DIA FELIZ, DE QUALQUER MODO!
Feliz dia da Mae Elvira!
um abraço grande.
Um Bom domingo!
Elvira, Amiga!
Parabéns! Hoje é o teu dia, o nosso dia. Sei que és uma mãe orgulhosa e vi o teu filho no hi5. Lindo rapaz!
Para a tua mãe deixo um beijinho. Grande!
Quanto ao texto que escolheste para postar é dos mais bonitos que conheço. Li-o a muitas gerações . É um texto de alguém que sempre pugnou pela Liberdade e merece ter feito parte da tua homenagem de hoje.
Para ti deixo mil beijinhos e um abraço.
Tem um Bom Dia da Mãe!
Elvira
Este é um dia sagrado no coração de homens e mulheres sejam eles quem forem ou donde forem. Mas não só este, é que o dia da MÃE e do PAI para mim são todos.
Este é o de calendário.
Confesso-lhe que estava mais habituado ao outro de antigamente, mas como sinto a falta de minha MÃE todos os dias, para mim todos os dias são dias da MÃE.
Este texto de Manuel Alegre é bem profundo, já o conhecia mas mexe muito connosco.
Desejo-lhe um bom domingo e um bom DIA DA MÃE dentro do possível minha amiga.
Sei como vai ser difícil vivê-lo mas ainda assim espero que o passe o melhor que puder.
Um grande abraço de profunda admiração e estima
António
Elvira,
Neste dia das Mães em Portugal, venho te deixar um abraço especial para tua mãe.
Sei que andas triste pela saúde de tua mãezinha, e por isto te abraço um pouco mais. Fico contigo um pouco mais. Pra depois voltar e de novo mais um pouco contigo ficar.
Um beijo querida Elvira.
Elvira. Este texto de Alegre,é daqueles que mexe bem fundo da alma.
Beijinho e bom dia de Mãe para todas nós Lisa
Belo, arrepiante, poderoso, este texto.
Um beijo grande, amiga.
Muy bonito!!!
Felicidades Elvira, como siempre gracias por tus visitas. cariños y besos.- Cintia
Boa tarde Elvira.
Que texto maravilhoso para o dia de hoje.
As rosas vermelhas são a minha paixão.
Desejo que tenha um dia da mãe muito feliz, e agradeço a sua visita ao meu cantinho.
Beijocas
Elvira
É sem dúvida um texto magnífico.Um texto que deve ser sempre lembrado. As rosas vermelhas não podem morrer e com elas a nossa identidade.
E mães são sempre aquelas que, em todas as circunstâncias, nos acompanham.
Abraço
Oie amiga...
Eu quero dizer que pessoas que nascem em maio são fortes e guerreiras...
A minha mãezinha também faz niver em maio, mas exatamente 19... e a minha tia dia 10...
Saudades de ti,
Bjs
Janaína
Muito bonito.
Um feliz dia a todas as Mães :)
P.S.- Não te esqueças de levar do meu blog o selo "Blogueiros que SABEM comentar"
Hola Elvira... muchas felicidades para ti y todas las madres que te leen.
Para nosotros en Chile, el Día de la Madre es el próximo domingo.
Cariños.
Olá minha querida Elvira, lindo texto de Manuel Alegre, com a franqueza da qual me orgulho, não conhecia este texto...
Gostei muito, obrigada pela postagem Amiga!
Beijinhos de carinho e amizade,
Fernandinha
Aqui no Brasil o dia das Mães acontece sempre no segundo domingo de maio. é bom pq assim comemoro duas vezes, rs...
Um beijo e um feliz dia das Mães
Deixei-lhe um prémiozito lá no meu canto...beijos...
Manuel Alegre. Fascinante, com sempre. Muito boa escolha Elvira Querida. Coincidência termos usado a mesma música do Zeca,não é?
Beijinho.
Um beijo para todas as mães.
Dualidades JP
Atrasada (como quase sempre), cá estou eu.
Não conhecia este texto do Manuel Alegre mas achei-o lindíssimo.
Encaixa na perfeição no dia da mãe, que são todos os dias da nossa vida.
Bjs
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