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16.2.18

CAROLINA


Re-edição


A mulher que sentada na beira da cama se  entregava à tarefa de entrançar a sua farta e negra cabeleira, não teria mais de trinta  anos, embora pequenas rugas, a fizessem parecer mais velha.
Era muito bonita, talvez um pouco alta demais para o comum das mulheres portuguesas, mas muito bem proporcionada. Muito morena de cabelos e olhos negros. Na aldeia quando era menina, e as outras crianças por qualquer razão se zangavam, chamavam-lhe farrusca por causa do seu tom de pele. Ela crescera com esse desgosto, mas agora estava na moda aquela cor e não raras vezes ela notava os olhares de inveja que lhe lançavam.
Lançou um breve olhar sobre o berço onde um bebé dormia tranquilamente. Hoje era um dia especial. O menino ia ser baptizado. Não haveria festa, o dinheiro era escasso, a vida estava muito difícil. Mas para ela o dia em que o seu menino ia ser apresentado ao altar e purificado com o sacramento do baptismo, seria sempre um dia especial.
Acabou de entrançar o cabelo e enrolou a trança no alto da cabeça prendendo-a com alguns ganchos.
Alisou a saia rodada que lhe chegava a meio da perna, dobrou um velho pedaço de lençol impecavelmente limpo em triângulo como se fosse um lenço, dobrou outro pedaço igual de modo a ficar como uma tira que colocou por cima do anterior, ficando assim com as fraldas preparadas para mudar o menino quando ele acordasse. Debaixo da cama retirou uma caixa que colocou em cima da mesma. Lá dentro repousava o vestidinho de crepe azul que a madrinha entregara na véspera para o baptizado.
 Foi até à cozinha, pegou as malgas do pequeno-almoço que tinham ficado a escorrer e guardou no armário. A cafeteira de alumínio foi pendurada na grade de madeira na parede.
A casa era pequena, apenas o quarto e a cozinha, mas apresentava-se limpa. No quintal, separada da casa alguns passos, uma pequena divisão, com uma sanita e um chuveiro. Claro que era aborrecido que não estivesse ligada à casa, especialmente de noite e de inverno, mas ainda assim Carolina achava que tinha muita sorte pois tinha água canalizada, coisa, que na maioria das casas, daquele pátio não existia. Não tinha electricidade, mas nunca faltara o petróleo para o candeeiro.
Sentou-se de novo na beira da cama, junto ao berço do filho e enquanto aguardava o marido que fora ao barbeiro à Telha, deixou que as lembranças saltassem da gaveta das memórias, onde ela as trancara.
Carolina era a sexta filha de um casal já entrado na idade e que já tinha cinco rapazes entre os vinte e os nove anos. Fruto de um descuido do pai,(1)a mãe que julgava estar na menopausa só se apercebeu da gravidez quando já era demasiado tarde para a “pôr a estudar”.
A mãe falecera poucos meses após o seu nascimento, vítima de complicações surgidas pós parto e o pai culpava-a pela morte dela. Os irmãos não sabiam o que fazer com ela e não fora uma vizinha tomar conta dela, talvez não tivesse sobrevivido. Até porque os tempos eram muito difíceis, a segunda guerra mundial tinha acabado havia pouco tempo alguns bens essenciais ainda eram racionados. Não fora por isso uma criança desejada e muito menos amada.
Mas como diziam na aldeia, “mal de quem vai, quem cá fica, trambolhão daqui, trambolhão dali, tudo se cria”
Quando Carolina entrou na adolescência mostrava já que iria ser uma bela mulher, e aí começou nova luta, já que os irmãos, diziam que ela estava uma bela "franguinha" e o mundo estava cheio de gaviões. E não a deixavam pôr o pé fora de casa, e ela tinha ânsias de liberdade. Entretanto o pai faleceu, os dois irmãos mais velhos casaram e foram viver para a cidade grande, o terceiro casara e fora viver com o sogro na aldeia vizinha. Na velha casa de família restava ela e um dos irmãos, já que o mais novo emigrara para o Brasil, na esperança de um futuro mais risonho. Farta da vida na pequena aldeia, escrevera aos dois irmãos, pedindo para ir viver com eles na cidade, mas não recebeu resposta.
Então começou a juntar algum dinheirito, do que o irmão lhe dava para as compras da casa, e um belo dia de Verão fugiu de casa rumo a Lisboa. Acabara de fazer dezasseis anos mas o seu corpo era já o de uma mulher.


CONTINUA


Como vêm esta história é uma re-edição. Foi publicada em 2014, mas como a grande maioria dos meus leitores atuais, não o eram há quatro anos aqui vai. É uma história de outros tempos,  pequenina só dois posts. Espero que gostem.

(1) Naquela época o único meio que os casais conheciam de evitar uma gravidez era o coito interrompido. Milhares de crianças nasciam porque o homem não era muito hábil na hora, e quando isso acontecia as mulheres diziam que a gravidez era um descuido do marido.

22 comentários:

chica disse...

Não lembro ainda se a acompanhei, mas pelo que vi, vale a reedição! Gostei da Carolina e todos os detalhes! beijos, chica

António Querido disse...

Gostei e espero a próxima!

Bom fim de semana.

Larissa Santos disse...

Como não acompanhei, gostei de ler:))

Hoje:- A Dança no Paraíso
.
Bjos
Fim de semana feliz.

Cantinho da Gaiata disse...

Pois amiga, nessa altura eu ainda não era "nascida".
Como sempre adoro todas as suas historias.
Beijinho grande e bom fim de semana.

Anete disse...


Li e gostei muito! Aguardo o 2º capítulo...
Carolina merece ser feliz!...

Bjs

Edum@nes disse...

Carolina oioai,
para Lisboa abalou
contente ela lá vai
nem para trás olhou?

Me parece que li da outra vez, no entanto, continuarei a acompanhar. Tenha um bom dia amiga Elvira.
Um abraço.

Joaquim Rosario disse...

bom dia
mais uma historia a fugir para a realidade .
JAFR

Manu disse...

Gostei e fico à espera da continuação.
Uma prosa que cativa.

Abraço Elvira

Cidália Ferreira disse...

Boa tarde!
É mais uma estória que se parece muito com a realidade. Gostei


Beijos. Bom fim de semana

Tintinaine disse...

Ora venha daí a história da Carolina! Nós aceitamos tudo de bom grado e no fim dizemos obrigado.
Não era para rimar, mas rimou!

Tais Luso de Carvalho disse...

Essa consegui pegar no começo, e vamu-qui-vamu, Elvira!!
Aguardo!
Beijo, um ótimo fim de semana - sem carnaval!

PROFESSORA LOURDES DUARTE disse...

Querida Elvira, parabéns por mais essa bela história. Você nos envolve com a leitura e da vontade de continuarmos. Parabéns querida! Abraços, tenha um abençoado fim de semana.

noname disse...

Cá estou eu a acompanhar a nova história, que é uma imagem muito real.

Beijinho

Os olhares da Gracinha! disse...

Carolina uma guerreira na vida! bj

maria disse...

Eu gostei muito. E li de um só fôlego. Uma forma aparentemente simples de escrever, mas que se fica só pelo aparentemente, os pormenores que são deliciosos, pormenores que revelam muita vida já vivida também, emprestam à história uma cor muito verdadeira. Dá para perceber que gosta muito de escrever, Elvira, gosto de pessoas que, como eu, amam isso das palavras escritas. Ler e escrever é um exercício que dá saúde e faz crescer, se não for em altura, que seja, pelo menos, em bem-estar.

Abraço e tenha um óptimo fim-de-semana.

chris disse...

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Janita disse...

Reposição ou não, esta vai ser outra história de vida que todos acompanharemos com muito agrado. Aguardo o seguimento da vida e das memórias da Carolina.

Um abraço, bom fim de semana.

Gaja Maria disse...

Acho que não conheço a história. Fico à espera da cotinuação :)

Roselia Bezerra disse...

Olá, querida amiga Elvira!
Coitada da referida moça/mulher... torço para sua libertação total e realização.
Seja muito feliz e abençoada junto aos seus amados!
Bjm de paz e bem

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Muito boa também esta história.
Vou ler o episódio final.
Beijinhos,
Ailime

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Amei ler esse conto, muito bem elaborado!
Beijos carinhosos!

Rosemildo Sales Furtado disse...

Embora um pouco atrasado, li e gostei e partirei para o capítulo final.

Abraços,

Furtado