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20.2.18

ENTRE DUAS DATAS - PARTE III




                                                                foto da net



Os últimos homens galgavam as escadas a correr. Mais gritos, mais risos, mais lágrimas. Os olhos de Clara ficaram presos num belo moço que subia lentamente as escadas, como se não tivesse pressa de chegar. Filho de uma viúva, moradora ali ao lado na Telha, antigo companheiro de brincadeiras, o jovem  alto e robusto, parecia carregar nas costas o  peso do universo.
 Aproximou-se dele, e saudou:
- Olá Pedro, como estás?
-Olá rapariga, - respondeu no seu vozeirão forte. - Como queres que esteja, um homem como eu? Não vês tu? Toda esta gente está feliz, contente, e olha para mim? Que diferença entre este dia e o outro no ano passado. Também eu nessa altura galguei estas escadas quase sem as ver. Também eu tinha aqui a minha mulher, à minha espera. E hoje... hoje...
As últimas palavras morreram num som rouco que mais parecia um soluço.
- Olha Pedro, é verdade que estiveram quase a afundar-se durante um temporal? - Clara tentava assim afastar maus pensamentos da mente do jovem.
- É verdade sim. Foi quando saímos dos bancos de pesca, da ilha de Baffin, a caminho da Gronelândia. Fomos apanhados por um violento temporal. Partiu-se um guincho, e ao cair apanhou o barco inclinado por uma vaga maior, provocou um pequeno rombo no casco do navio e começámos a meter água. O motor parou. Todos estávamos assustados. Chegámos a pensar que não saíamos dali com vida. O vento forte, e as vagas altas, atiravam o barco de um lado para o outro, como de dançasse uma música infernal. Uns rezavam em voz alta, outros apertavam ao peito as fotografias da família. E entretanto afundávamo-nos irremediavelmente. Foi então que o Santos, o contramestre gritou:
- "Que fazeis aí parados, homens de Deus? Deixai-vos de choros idiotas, ou ides servir de jantar aos peixes. Venham aqui ajudar, rápido. Mulheres que fossem, não estavam tão assustadas." Não sei o que cada um sentiu. Mas lutando contra o vento, presos a cordas por causa das ondas que varriam o convés, descemos ao porão e tentámos tapar o buraco. Eu fui para a bomba tirar a água, o Santos, o Ti'Amadeu, e mais seis homens lá conseguiram depois de muito esforço tapar o buraco. Incrível como um rombo tão pequeno metia tanta água, e fazia tanta pressão. O Jorge da Rita agarrou uns desperdícios, e de escopro e martelo foi calafetando à volta da tábua nova que os homens tinham pregado sobre a de estava a deixar passar a água. Tivemos ainda que lutar com o temporal durante um bom par de horas, mas a questão da água fora resolvida.

Continua 


16 comentários:

Tintinaine disse...

Vida de marinheiro tem dessas coisas. E no tempo da pesca ao bacalhau devia ser muito pior que hoje.

chica disse...

Quanto Pedro tem a contar... Certamente serão bons amigos novamente... beijos, chica

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Muito interessante e continuo a acompanhar.
Um abraço e boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Joaquim Rosario disse...

bom dia
talvez esta conversa venha a ser o começo de um romance .
JAFR

Larissa Santos disse...

Hummm gostei do conto.... muita coisa poderá acontecer. (romance, quiçá) kk

Hoje:- Serenata em telepatia
.
Bjos
Feliz Terça-Feira

Cidália Ferreira disse...

Por vezes acontecem coisas lindas - mais tarde - às custas de acontecimentos menos bons.

Beijos e um excelente dia.

Rui disse...

Muito interessante ter trazido aqui, para conhecimento de muitos e lembranças de alguns, o que era a faina do bacalhau nesses já longínquos anos 60 !
descrito um cenário muito equivalente ao do regresso das militares na sua acção no ex-ultramar !
Sobre isto, cheguei eu a dizer (a brincar, claro) que, "vale a pena ir pela alegria do regresso"
Tal como na faina do bacalhau !... Os perigos não seriam muito diferentes !

Abraço, Elvira :)

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Acompanhando e gostando demais da história!
Beijos carinhosos!

Cantinho da Gaiata disse...

Vidas difíceis.
Tenho muito respeito de quem parte para o mar em troca de um ordenado.
Acho que este Pedro vai dar que escrever, um romance aí vem.
Beijinho

noname disse...

Há vidas que, só são vidas, porque o esforço do corpo numa luta de sobrevivência teima em resistir.

Boa tarde Elvira

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Emocionante relato do Pedro!
Muito, muito boa a forma como descreve todas as cenas.
Parabéns!
Beijinhos,
Ailime

Andre Mansim disse...

Bela continuação!
Estou esperando os próximos capítulos.

Um grande beijo!

Pedro Coimbra disse...

Passo agora a acompanhar mais um belo conto.
Bom resto de semana

lis disse...

Vida no mar nem sempre é totalmente tranquila.
E, necessita coragem pra enfrentar as tempestades e ventos fortes.
Bonito imaginar !
Estou gostando Elvira

Os olhares da Gracinha! disse...

Momentos bem complicados ! bj

Rosemildo Sales Furtado disse...

Continuo curioso e aguardando.

Abraços,

Furtado