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17.2.18

CAROLINA - FINAL

Re-edição
Em Lisboa, arranjou trabalho numa casa grande, onde já havia uma cozinheira e uma outra rapariga que tomava conta dos bebés. Aí trabalhou dois anos. Gostava da casa, dos meninos e das colegas. Aos patrões demasiado altivos nunca se afeiçoou, mas sentia-se feliz. Até ao dia em que conheceu Jorge e se enamorou perdidamente.
Conheceu-o numa das suas folgas enquanto passeava no Jardim da Estrela. Ele não era de Lisboa, estava na capital a cumprir tropa. Virgem de todas as emoções foi presa fácil do rapaz malandro que era Jorge. Assim quando se deu conta ele tinha desaparecido e ela estava grávida. Os patrões puseram-na na rua, mal souberam da gravidez, e Carolina perdida, sem saber o que fazer foi bater à porta do irmão mais velho.
Influenciado pela mulher, o irmão acabou por a recolher em casa, embora inicialmente a quisesse mandar de novo para a terra. Porém, por volta do terceiro mês, Carolina sofreu um aborto espontâneo e daquele episódio apenas restou a amargura e a descrença nos homens. Poucos meses depois estava de novo a trabalhar como “criada de servir”(1) numa casa em Belém.
Passaram os anos, vieram outros namoros, mas quando ela contava que já não era "honrada",(2) a atitude dos rapazes mudava, deixavam de falar em casamento e passavam a querer levá-la para a cama. Carolina, foi ficando cada dia mais amarga e perdendo a esperança noutra vida que não aquela de cuidar de casas alheias e de filhos  dos outros.  E assim, os anos foram passando, e de repente, já tinha vinte e sete anos. Na época, depois dos vinte e cinco, as mulheres já não sonhavam com o casamento, contentavam-se em serem tias. Foi nessa altura que conheceu o marido. Era Domingo de Páscoa,  e à saída da igreja, as suas mãos tocaram-se na pia da água benta. Olharam-se por segundos e ela sentiu-se corar.
Virou-se e saiu da igreja quase a correr. Ele seguiu-a e quando ela se preparava para entrar no jardim da casa onde trabalhava,  segurou-a pelo braço e perguntou-lhe se era casada. Perante a negativa ele perguntou-lhe se queria casar com ele. Ela achou a pergunta descabida e sem sentido mas ele insistiu.
Sem saber o que pensar, ela respondeu-lhe que embora não sendo casada, já estava "desonrada".
Ele disse que não fora isso que perguntara, apenas queria saber se ela queria casar com ele. Era pobre, mas tinha trabalho certo, vivia com uma irmã, estava farto da vida de solteiro, tinha acabado de pedir ao Senhor uma mulher capaz de o respeitar e ser uma boa companheira, para a sua vida. Achava que o encontro na pia de água benta era um sinal divino e não lhe importava o passado, já que esse era individual e só pertencia a ela. O que lhe importava era o futuro, e queria saber se ela faria parte dele.
Não falava de amor, acreditava que ele viria com o tempo, entregara o futuro a Deus, e confiava n’ELE de olhos fechados.
Carolina ficou encantada, e três meses depois estavam casados.
Apesar da pobreza não se arrependera nem por um segundo.
- Lina, "tás" pronta mulher? Já aqui estão os padrinhos do menino.
Sacudiu a cabeça, e o seu rosto iluminou-se num sorriso enquanto respondia.
- Ó homem, manda-os entrar enquanto eu acordo o menino e o visto. 



fim

Elvira Carvalho



1 Era assim que se chamavam antigamente as empregadas domésticas.
2 Era assim que se dizia antigamente de uma mulher que já não era virgem. Pessoalmente eu nunca entendi essa história de considerar que a honra de uma mulher estivesse entre as pernas.

26 comentários:

chica disse...

Carolina após passar por alguns problema, enfim teve final feliz! Valeu! Gostei mais uma vez! beijos, tudo de bom,chica

António Querido disse...

E eu nunca entendi porque se uma rapariga tivesse beijado outro, ia ficando na retaguarda!
Mas encontros como este aconteciam.

O meu abraço

Anete disse...


Gostei do conto da Carolina, curto e muito bom! A vida tem surpresas impressionantes.
Um feliz sábado! Bj

Tintinaine disse...

Essa coisa da honra faz-me lembrar duas anedotas.
A primeira é a do pai sueco que tinha uma loja de pronto a vestir e respondeu assim ao pretendente á mão da sua filha casadoira:
- Tu levas, experimentas e se não te servir devolves.
A segunda é a daquele noivo que na noite de núpcias, quando descobriu que a noiva era virgem, mandou-a vestir-se e foi entregá-la ao pai, dizendo:
- Ela não serviu para ninguém e queria impingir-ma a mim?

Bom fim de semana e boas escritas!

Mariazita disse...

Dizer que tenho pena de não poder acompanhar... nem vale a pena, já o disse inúmeras vezes.
Vou-me contentando com um episódio de vez em quando... :)))
Deste gostei particularmente.
Tempos complicados e difíceis aqueles.
Como a amiga, também eu não entendo que a honra duma mulher esteja entre as pernas...
Mas naquele tempo a virgindade valia ouro...
Em contrapartida, hoje descarta-se por "dá cá aquela palha" :)))

Obrigada pela presença na Festa de Aniversário da minha “CASA”.

Bom Fim-de-semana
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

Joaquim Rosario disse...

bom dia
realmente a vida dá tantas voltas que nunca sabemos onde esta a felicidade ou sequer como virá .
eu acredito que o destino está marcado desde que nascemos .
bom fim de semana.
JAFR

noname disse...

Gostei do final, do seu final ahahahah também nunca entendi, mas que fazer a mentes formatadas e curtas?

Beijinho um sábado feliz

Cidália Ferreira disse...

Mais uma postagem maravilhosa. Adorei a estória. Obrigada

Beijo. Bom fim de semana.

Lua Singular disse...

Oi Elvira.Achei lindo!
Eu gostava de brincar com os homens, era namoradeira e quando falavam em casamento eu dizia que não era mais virgem, nem ligavam, diziam que queria o meu amor.
Eu é que não queria nada com nada. Casei com um primo para morar perto da capital. Voltei, pois ele morreu, antes tínhamos adotado um bebê que com dois anos ficou sem pai.
Mas sempre fui bem resolvida, quando o garoto tinha 9 anos casei por amor com um homem que faz todos os meus dengos. Meu filho tem 35 anos: economista, contabilista, pós e esta fazendo outra e trabalha.
Beijos
Lua Singular

Lua Singular disse...

Elvira


Esqueci de dizer, era namoradeira , mas casei VIRGEM

Lua Singular

Os olhares da Gracinha! disse...

Mais um final feliz num belo conto de VIDA!!!bj

Teresa Isabel Silva disse...

Muito bonito!

Bjxxx
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Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Um belo conto de que gostei.
Um abraço e bom fim-de-semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados

Janita disse...

Costumava a minha saudosa Mãe dizer: "Esteja a pêra na pereira e não apodreça, lá virá quem na mereça".
Na vida da Carolina apareceu o homem de carácter que ela merecia, mas...e o amor...ele nunca lhe falou de amor? Sou uma romântica incurável, sabe Elvira? :)

PS- O que dantes era preconceito desumano, mercê do puritanismo bacoco salazarista, hoje é o descalabro total, mal se conhecem vão logo para a cama. Se tiverem vinte namorados com vinte dormem...

Um abraço, bom fim de semana.

Janita disse...

Voltei para esclarecer que aquilo que a minha Mãe dizia era em referência à idade, uma vez que a Elvira mencionou o 'limite' de 25 anos para casar. :)

Zé Povinho disse...

Uma narrativa escorreita de situação muito comum em tempos da minha juventude...
Abraço do Zé

Edum@nes disse...

O que ele queria era casar. Queria lá agora saber da honra. Para o casamento O encontro na pia da água benta foi tiro e queda. Não se guarde para amanhã o que se pode fazer hoje!

Tenha um bom fim de semana amiga Elvira.
Um abraço.

Kique disse...

Gostei
Bom fim de semana
https://caminhos-percorridos2017.blogspot.pt

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Adorei a história e muito importante divulgar esses termos de tempos idos que nada acrescentavam a dignidade da mulher.
Beijinhos e bom fim de semana.
Ailime

Gaja Maria disse...

É engraçado não é? Tanta virgem sem honra que não dá para entender

Tais Luso de Carvalho disse...

Olá, Elvira, pois vim terminar de ler o conto, aqui já é tarde, madrugada! Mas vi que mudou de postagem e vim...
Pois é, a moça teve sorte, nem sempre um encontro desses acha-se a felicidade. Gostei do final, pela vida que não lhe sorriu, que lhe foi madrasta, fiquei contente pelo final que encontrou para ela. Arre... ainda bem! Saio com a alma lavada, rs.
Beijo grande, você é muito boa em conto!
Um ótimo domingo.

maria disse...

Li a primeira parte e li o final. Gostei. Uma forma simples de contar histórias que vêm lá muito do passado. Nada melhor do que conhecer o passado através de letras. Termos, posturas que, no presente, já não farão sentido, mas enriquecem, sem dúvida.

Tenha uma boa noite, Elvira.

Rui disse...

Verdade, Elvira. "Criada de servir",... ser ou não "honrada", quem daquele tempo não se lembra e isso do "honrada" ou não era mesmo assim. Mesmo uma rapariga que já tivesse tido vários namorados, não era "bem vista" pelos rapazes ! :(
Hoje, pelo contrário, qualquer rapaz "estranhará" se lhe aparecer uma rapariga virgem ! :))

Um conto rápido e interessante, até para lembrar essa situação !

Abraço

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Parabéns pela reedição desse conto, o qual me oportunizou a leitura dele e me encantar com a história, o enredo e sua capacidade de nos prender a atenção em cada história a nos apresentar.
Beijos carinhosos!

lourdes disse...

Há um ditado muito antigo que diz: "guardado está o bocado para quem o há-de comer" e foi o que aconteceu à Carolina. Estava guardada para o (como se chama?) marido.
Antigamente não era fácil um homem querer uma mulher que já "estava desonrada"!
Felizmente há sempre quem fuja do habitual.
Bjs

Rosemildo Sales Furtado disse...

Oi Elvira! Meu finado irmão teve um amigo que tirou uma mulher da zona (baixo meretrício) de Recife, casou com ela, e com ela viveu muitos anos até a sua morte. Quando ele faleceu, ela usou luto (preto) por mais de trinta anos, até morrer. Acho que virgindade é dignidade, é vergonha na cara.

Belo conto amiga! Pequenino e com gosto de quero mais.

Abraços,

Furtado